Futebol brasileiro: o abatedouro de treinadores

Guilherme Napolis
3 min readJun 13, 2021

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Eduardo Coudet em ação pelo Internacional — GettyImages

Nos últimos anos, o torcedor brasileiro acostumou-se com padrões esdrúxulos e inaceitáveis, no que diz respeito à conduta dos clubes com seus treinadores. Muitas vezes, embora os resultados sejam razoáveis, basta perder um clássico e o comandante é demitido, não raro, precocemente.

Técnicos promissores e de muita qualidade perderam seus empregos por conta desta cultura porca dos dirigentes. Em 2020, com o Internacional na liderança do Brasileirão e fazendo boa campanha na Libertadores, Eduardo Coudet corria risco de demissão a cada GreNal e, quando recebeu proposta do Celta de Vigo, da Espanha, tratou de aceitar e foi embora antes que o demitissem. Aliás, Coudet reeditou o que havia feito o Professor Juan Carlos Osório, em 2015, quando trocou o instável São Paulo (e sua mais instável diretoria à época) e aceitou o convite para treinar a seleção mexicana, ainda que o time estivesse classificado para as semifinais da Copa do Brasil. Osório e Coudet saíram antes que saíssem com eles.

Juan Carlos Osorio sendo apresentado como novo técnico do São Paulo | Foto: Rubens Chiri

A lista de treinadores que perderam seus empregos precocemente é infindável. Em 2021, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), resolveu agir sobre isso, implementando uma nova regra, que limita os 40 times das Séries A e B do Campeonato Brasileiro a mudar de treinador apenas uma vez durante o campeonato. Assim, no máximo, os clubes poderão contar com “apenas” dois comandantes na competição.

Muitos times resolveram adiantar-se para cumprir essa nova regra. Corinthians, Grêmio, Santos, Fortaleza, por exemplo, trocaram seus treinadores ainda durante as disputas dos estaduais, como forma de se prevenir à restrição. Mas, logo na primeira rodada do Brasileirão 2021, houve a primeira demissão com o novo formato em vigor: Alberto Valentim foi mandado embora do Cuiabá, mesmo após dez jogos invictos (foram sete vitórias e três empates sob o comando do treinador), com a diretoria alegando divergências insustentáveis.

Alberto Valentim não é mais técnico do Cuiabá — Foto: AssCom Dourado

Pouco mais de uma semana depois, mais um técnico foi para a guilhotina. Desta vez, o promissor técnico Miguel Ángel Ramírez, um dos treinadores mais promissores da América do Sul nos últimos anos, foi demitido após três meses no cargo. Vale ressaltar que, após ser procurado pelo Palmeiras no ano de 2020, o espanhol foi fiel ao seu contrato com o Independiente Dell Vale, do Equador, e deixou claro que só assumiria o comando do time paulista após o final da temporada.

O mais chocante não é a demissão de Miguel Ángel em si. Quando demitido, o espanhol era o décimo treinador mais longevo entre os 20 técnicos da Série A. O trabalho mais duradouro na elite do futebol brasileiro, neste momento, é de Lisca “Doido”, que comanda o América-MG há 1 ano e 5 meses.

Espanhol comandou a equipe gaúcha em 22 jogos / CESAR OLMEDO/Getty Images

Essa cultura do imediatismo é prejudicial para o desenvolvimento de qualquer negócio e não é diferente com o futebol. Tanto para treinadores, como para os jogadores, trabalhos interrompidos precocemente dificultam o entendimento dos atletas na forma de jogo, técnicos não conseguem desenvolver suas ideias e, consequentemente, são desvalorizados.

O que seria do São Paulo dos anos 90 se tivesse demitido Telê Santana após perder o título brasileiro de 1990? O que seria o Corinthians de 2011/2012 se o Tite tivesse sido demitido após o vexame contra o Tolima?

Trabalhos longevos, geralmente, produzem times vitoriosos. Técnicos com tempo para trabalhar moldam elencos e esquemas de jogo compatíveis e alinhados, o que, nos dias de hoje, parece um sonho muito, mas muito distante.

Entra ano sai ano e o futebol brasileiro continua a alimentar o abatedouro de treinadores.

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